Eu escrevi esse texto em meados de 2017, poucos meses antes de engravidar, numa narrativa em que descrevo como foi essa decisão para mim. Sim, porque ser mãe é uma escolha, não deve ser regra. E como nos instiga Prem Baba, para tomar essa decisão é preciso questionar-se “quem em mim quer ter um filho? Esse desejo vem da necessidade de cumprir um programa social, de suprir alguma carência? Ou é realmente um comando do coração?”. Não preciso dizer qual é, claramente, a resposta certa pra seguir em frente, exercendo uma maternidade saudável e construtiva para nós mesmas e para a nova vida que estamos trazendo ao mundo. Te convido a conferir a reflexão de anos que eu fiz pra chegar a essa decisão com convicção e no momento certo, ou seja, porque (e quando) meu coração realmente quis.
O que é preciso para ser mãe?
Na sociedade em que vivemos, basta ser mulher dotada de um corpo saudável para conceber uma gravidez.
E é bom que seja logo! Bem, logo depois que tiver um marido e o mínimo de segurança financeira, de preferência já com casa própria, realizada profissionalmente, com tudo encaminhado, para poder, enfim, se dedicar aos bebês. Sim, aos bebês, porque não é nada bom esperar muito entre um e outro e ter pelo menos um irmão é fundamental na vida.
Lembro-me que quando cheguei aos 26 anos de idade, já estando há mais de cinco anos em um relacionamento sério, começaram os questionamentos sobre a nossa programação para termos filhos. Nunca alguém me perguntou SE eu gostaria de ter filhos, sempre perguntaram-me QUANDO os teria.
– Já está planejando, né?
– Quantos vocês querem ter?
– Se quiser ter dois, tem que ter o primeiro antes dos 30.
– Não pensa muito, hein!
– Não espera muito!
– Já está na hora.
– Olha que já está passando da hora!
– Mulher não dura pra sempre, sabia?
Estranhamente, na contramão desses comentários, minha avó materna, que poderia, pelos seus 70 anos à época, acrescentar uma sentença ainda mais conservadora do que todas essas da lista, disse-me, certo dia, como quem não queria nada, que NÃO era hora de eu ter filhos, que eu tinha todo o tempo e deveria esperar.
_ E por que a senhora pensa isso?
Ela chegou a essa conclusão pela simples observação de minha rotina e por me conhecer – minha mente e coração – como só as avós conhecem as netas.
– Porque tu ainda não conquistou o ESSENCIAL para ter filhos, pontuou ela, com firmeza e leveza.
E o que seria esse requisito? Eu brinquei com ela: _ um marido, nona? Ah, só porque eu ainda não casei na igreja e de papel passado?
Ela mexeu a cabeça e estreitou os olhos rebatendo minha ironia e completou:
– a TRANQUILIDADE!
Naquele dia, com o peso de tantas exigências e cobranças que eu sentia todos depositarem sobre mim, inclusive eu mesma, lembro-me de não ter dado continuidade à conversa e apenas pensado. “Será que um dia eu conquisto essa tal tranquilidade? Duvido!”
Recentemente, passados cerca de seis anos, eu lembrei daquela conversa. E, hoje, sei que a tranquilidade a que minha avó se referia é apenas uma palavra simples – porque sem instrução escolar, ela não tem definições mais complexas para nominar os sábios conceitos que carrega em sua experiência – , que ela usou para se referir a algo que envolve muito. É uma palavra que define algo grandioso e intenso.
A tranquilidade a que ela se referia, nada tem a ver com topo de carreira, com bens acumulados, com satisfatória conta bancária, que nos condicionam a perseguir. A tranquilidade tem a ver com decisões e escolhas que fazemos sobre pequenas coisas. Ela vem à medida que olhamos mais para dentro e menos para fora. Ela chega quando, mesmo com a vida agitada, abrimos espaço para pausar e respirar. É isso mesmo, não precisamos estagnar, para a tranquilidade entrar. Basta deixarmos nossas portas e janelas abertas para ventilar, arejar, recebermos, enquanto transcorremos pelo caminho. E, pelo contrário, temos mesmo de seguir em frente para ela nos acompanhar. Mas ela se recosta, nos dá o braço e começa a andar ao nosso lado, somente quando fazemos esse trajeto com a clareza sobre o ponto que almejamos, quando sabemos que a chegada ao ponto final não ocorre de um dia para o outro, se é que ocorre, porque tudo vai se transformando e ganhando novas formas e significados. Ela anda conosco quando temos consciência, inclusive, de que tudo pode mudar de um instante para o outro, e apresentamos paz no coração em relação a isso. A tranquilidade a que ela se referia, também tem a ver com a gratidão que somos capazes de sentir. E com a nossa permissão de nos doarmos àqueles que nos amam. É um estado de espirito que nos faz mais seletivas, que só se instaura em nós quando paramos para respirar, para nos conhecer, para prestar atenção, olhando para o que realmente flameja em nós. Não tem hora, idade ou momento padrão para acontecer. É um espaço de encontro único para cada uma de nós. É sublime.
Sabia nona Delésia!
Me parece que essa simplória tranquilidade a que a senhora se referia, tem a ver com o mais profundo e intenso conhecimento que nós, mulheres, podemos adquirir. A senhora estava falando de nossa essência feminina! Do encontro com o nosso âmago. Eis aí a nossa tranquilidade! E é quando uma mulher alcança esse ponto dentro de si – que a nona assim intitulou – , que ela pode decidir sobre si, sobre o que deseja ou não, e conquistar seja lá o que for.
E, agora, eu sei tudo o que quero. Tudo que posso. Isso inclui o poder (e a escolha) de gerar uma vida.
Estou pronta. Estou tranquila! Chegou a minha hora!
Marciele Scarton – Palestrante / Na Cabeceira da Mesa
(Foto crédito, autorretrato, Marciele Scarton).